Leitura e Celular

 


Leitura e Celular

Por: Adriana Kairos

Frequentemente, recebo famílias que têm o sincero interesse de tornar seus filhos em verdadeiros leitores, por entender a importância desse ato. No entanto, muitos desses responsáveis têm se sentido frustrados em suas tentativas, pois não conseguem ver materializada a imagem dos seus sonhos: sua criança sentada, comportadinha no sofá, lendo algum tomo da Barsa ou um exemplar qualquer de Machado de Assis. A situação se torna ainda mais desoladora para a família quando ela investe na compra de livros e mais livros, enche a prateleira do quarto do infante de coloridos exemplares infanto-juvenis e a criança.... Nada. Tem de haver um culpado para tamanho fracasso. Ah! Mas é claro! A culpa é do celular!

Mas será mesmo que esse instrumento tão importante nas relações de hoje, sejam elas profissionais ou pessoais, o grande responsável da "falta de leitura" dos nossos pequenos e adolescentes?

Não tenho aqui a intenção de fazer qualquer juízo de valor, a ideia é refletir um pouco sobre atitudes e práticas que possam ajudar na formação leitora não só das crianças e, porque não dizer também, dos seus responsáveis.

As frases mais comuns que ouço em minha sala quando converso com famílias que querem que seus filhos leiam mais são: "eu mando ele ler, mas ele não quer.", "o quarto dele é cheio de livros que eu comprei, mas ele não se interessa por nenhum", "ele só quer saber de jogo, não sai do celular."

É possível que você já tenha dito algo assim, ou tão somente se identifique com essas falas, o que não é nenhum pecado. Contudo, quero convidá-lo a refletir um pouco em cada uma delas, sem nenhum tipo de julgamento, entendendo os motivos e razões de cada família mas buscando apontar um caminho possível e positivo para o fomento da leitura no ambiente familiar.

"Eu mando ele ler, mas ele não quer”

Há uma máxima popular que diz: "faça o que eu digo, não faça o que eu faço.". Lamento informar, mas essa máxima não funciona pra ninguém, nem para você na sua relação profissional com o seu chefe, muito menos e principalmente, com o seu filho. Mandar ler não gera em ninguém vontade de abrir um livro. Ler é uma experiência solitária, íntima e profunda, e geralmente crianças têm medo de ficar sozinhas, de se sentirem só. Tudo aquilo que é íntimo para elas tem conotação secreta e isso pode causar medo e espanto. Assim como também é espantosa a profundidade de uma descoberta que um livro pode nos dar. Por isso, não mande uma criança ler. Convide-a para ler contigo. Ganhe um tempo no seu dia para ler para ele. Leia com prazer, abuse das entonações que a pontuação e o ritmo da leitura possa te dar. Transforme esse momento num momento especial, seu esconderijo secreto com o seu bem mais precioso. Não importa se ele já sabe ler, se já é alfabetizado, é a sua voz que ficará na lembrança do seu filho daqui a alguns anos quando ele for ler esse mesmo livro ao seu neto. Pense nisso. Além do mais há um outro dito popular que ao contrário do primeiro, é a mais pura verdade: "As palavras convencem, mas o exemplo arrasta." Crianças aprendem por exemplo. Elas se espelham em seus pais mesmo que digam que não. Quantos de nós dissemos que não faríamos isso ou aquilo que condenávamos da criação que nossos pais nos deram e hoje repetimos a mesmíssima coisa na formação dos nossos filhos. Que possamos ser bons exemplos para os nossos filhos, conduzindo-os nesse primeiro momento da descoberta da leitura.

 "O quarto dele é cheio de livros que eu comprei, mas ele não se interessa por nenhum"

 Que bom seria se o nosso dia tivesse umas 36 horas, uns instantes a mais para darmos conta de tudo. Estamos sempre com pressa, sempre sem tempo, inclusive para os nossos filhos. Na tentativa de compensarmos essa falta, os responsáveis que desejam ver seus filhos com melhores condições de compreensão e conhecimento de mundo, apostam na leitura para ver em suas crianças as expectativas realizadas.  E para isso presenteiam-nas com dezenas e dezenas de livros que a criança mesma nem escolheu.  O livro impresso ou digital é um objeto carregado de simbolismos. Por mais que tentemos nos afastar de qualquer mística relacionada a ele, é impossível não termos uma relação impar com a escolha deste. Algumas famílias acham que escolher e presentear um livro a uma criança é como escolher e presentear uma camiseta a ela. Ledo engano. Não raro, converso com crianças que dizem não gostar do livro que a professora indicou ou que a família lhe comprou e isso é perfeitamente natural. Livro, assim como roupas ou perfumes é uma escolha pessoal. Todos nós temos o direito de começarmos a ler um livro e não gostar. Abandonar a leitura que não nos agrada não é nenhum crime. Há milhões de livros escritos em todos os tempos, estilos e línguas no mundo, com certeza um deles foi escrito para você ou para o seu filho. Assim, da próxima vez que resolver comprar um livro para ele, leve-o contigo. Faça desse momento único, deixe-o que escolha, que folhei as páginas, que se encante com as ilustrações, que viva a magia da escolha. Certamente essa experiência despertará a tal vontade de ler que você tanto espera do seu filho. Tente isso!

“Ele só quer saber de jogo, não sai do celular.”

 Ter limites é muito importante. É fundamental que as famílias estabeleçam uma rotina com horários pré-definidos para as crianças. Ter hora e local para estudar, uma hora certa para dormir e principalmente ter tempo para brincar é essencial para o bom desenvolvimento dos nossos filhos. Organizar uma rotina de estudos com pelo menos uma hora do dia para a feitura dos deveres de casa ou tão somente a revisão da matéria vista em sala de aula, num local adequado e tranquilo seria maravilhoso para o desempenho das crianças mas nada disso funcionará se não houver um horário certo para que a criança durma. É na hora de dormir que o nosso cérebro processa as informações do dia e é nesse momento que a nossa cabeça separa tudo aquilo que aprendemos durante o dia-a-dia. Se a criança não tem hora para dormir esse processo fica prejudicado. Assim como a criança que não tem tempo para brincar. Sabemos que muitas crianças e adolescentes em nosso país não têm tempo para brincar por uma infinidade de motivos, principalmente ou sobretudo por razões sociais. A criança que não sai do celular ou do jogo com certeza está numa relação de privilégio em relação aquela que não pode brincar. Deixe que ela desfrute dessa oportunidade. Evidentemente que sua vontade é de que seu filho estivesse com um livro nas mãos lendo algo. Mas ele está lendo! Jogos e a internet podem ser muito instrutivos e carregados de novas e diferentes fontes de conhecimento que as brincadeiras analógicas não tem. É possível estabelecer um equilíbrio saudável entre a amarelinha e o Fortnite. Quando converso com as famílias sobre celulares, internet e jogos sempre dou o exemplo dos meus filhos que nunca foram a um curso de inglês e que tem fluência total do idioma estrangeiro e um deles tem inclusive um certificado internacional, o Toffoel, que garante que ele lecione a língua inglesa em qualquer parte do mundo. E tudo isso porque permiti que eles jogassem online com jogadores do mundo inteiro. Imaginem quanto eles não aprenderam com essa experiência. Quantos de nós não desejamos uma oportunidade dessas quando éramos crianças? Meus filhos nem por isso deixaram de ser leitores. Com toda razão Paulo Freire afirma que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Cuidado com os preconceitos sem fundamentos; na dúvida. Jogue com o seu filho.

Para concluir essa reflexão: passe um tempo de qualidade com seu filho e leia para ele. Deixe que ele te veja lendo coisas que você também gosta e aprecia, tenho certeza de que ele ficará feliz de ver você praticando o mesmo que ele, a leitura.

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